
O presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, acredita que a virada da economia depende de uma renovação política e da diminuição do poder do estado
á quatro décadas, o engenheiro carioca Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, de 68 anos, tem acompanhado o desenvolvimento econômico do Brasil de uma perspectiva privilegiada. Durante esse período, foi executivo do grupo Ipiranga, companhia distribuidora de combustíveis, até 2007, quando o negócio foi vendido para um consórcio formado pela Petrobras, Braskem e grupo Ultra. Na presidência da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN) desde 1995, Gouvêa Vieira faz a ponte entre a classe empresarial e o setor público. Segundo ele, um dos maiores entraves ao avanço do Brasil é a manutenção de conceitos dos séculos 19 e 20, como a centralização de um poder excessivo nas mãos do estado, e a falta de uma liderança forte tanto no governo quanto no setor privado.
A origem da crise que vivemos atualmente no Brasil é política ou econômica?
O problema é político – na medida em que cada partido quer o poder para si –, mas acaba chegando na economia. Daí o fato de o PT, através do Lula, indicar uma pessoa como a solução para as dificuldades atuais [há rumores de que o ex-presidente conduz uma campanha privada pela troca do ministro da fazenda Joaquim Levy por Henrique Meirelles]. O Meirelles evidentemente é muito competente, assim como o Joaquim. Independentemente de quem ocupe a posição, o que se precisa fazer é pactuar com a sociedade as medidas para o crescimento daqui para frente. O que vamos fazer? Um choque para consertar as finanças e voltar a crescer? Ou criamos a sensação de bem-estar agora, sabendo que a conta virá em breve.
Nunca houve tanta corrupção ou nunca se descobriu tanta corrupção?
Sempre tiveram pessoas corruptas no poder público. Mas um esquema dessa profundidade, com esses valores financeiros, eu nunca vi. Mas o que mais me chama a atenção é que os políticos ficam discutindo o sexo dos anjos. Existem outras questões importantes sendo divulgadas, e ninguém fala sobre elas. [Em outubro de 2015], a Toyota, a maior montadora do mundo, anunciou oficialmente que em 2050 não vai mais fazer motor a combustíveis fósseis. Estamos a 35 anos desse prazo, e as campanhas exploratórias de bacias do tamanho do Brasil levam mais do que esse período para gerar combustível. Isso significa que teremos petróleo “micado” no fundo do oceano. Essa declaração da Toyota passou batido. Ninguém está discutindo questões importantes como essa. O governo precisa sair dessa disputa política interna, que ninguém aguenta mais, e pensar no Brasil de longo prazo. Precisa se abrir ao diálogo. Algum tempo atrás, eu sugeri que a presidente fosse sozinha ao Congresso e discorresse sobre os problemas verdadeiros da nação na tentativa de estabelecerem uma parceria na busca por soluções. Mas isso não foi feito. Com os meios de comunicação que se tem hoje, todo mundo sabe de tudo. E, ainda assim, os líderes – tanto de oposição quanto de situação – ficam pairando em outra dimensão. É como se a classe política do Brasil tivesse surtado. É preciso elevar o nível da discussão em Brasília.
É um problema de ausência de uma liderança forte?
Sim. Mas não só no Brasil nem só na política. Essa é uma característica do mundo, em diversas áreas. Hoje existem poucas ou quase nenhuma figura magnética. O Brasil está precisando de um estadista – o que não necessariamente significa alguém que trabalhe no estado. Precisamos de atores sociais, que liderem os diversos setores brasileiros. Entre eles, o político, mas também o empresarial. Para isso, é preciso ter pessoas que façam mudanças paradigmáticas. Temos que sair da mesmice. O Brasil precisa andar. É preciso encontrar pontos comuns entre a sociedade, o governo e as indústrias, a partir de uma discussão que dê conta inclusive das divergências naturais de pontos de vista.
Quem poderia ser esse líder? Que perfil ele deve ter?
Deve ser alguém jovem e com capacidade de articulação, no sentindo de conversar com os desiguais. É preciso ter poder de convencimento e carisma. Porque as matérias a serem tratadas não são fáceis. Também não é fácil traduzir essas matérias para a população. É difícil é descobrir esse tipo de pessoa e, uma vez descoberta, garantir que ela tenha a liberdade de expressão. Esses potenciais líderes podem estar nas universidades, por exemplo. Mas não necessariamente lá. É uma questão de vocação. Um líder deve ter a vocação para servir. É como a profissão de médico ou a missão de um religioso.
Faltam políticos com coragem de enfrentar a confusão que está instalada?
Quem está enfrentando a situação, por incrível que pareça, são os juízes e os procuradores da república. São outros servidores públicos. Eles descobriram outras agendas da carreira pública e estão encarando os maus políticos e maus empresários. Isso é um trunfo para o Brasil. O pior dos mundos seria continuarmos a viver em meio àquela imoralidade toda.
Você cogita entrar para a política?
Não, em nenhuma hipótese. Já fui convidado para integrar todos os partidos, mas felizmente nunca aceitei. Porque eu conheço empresas, fui empreendedor a vida toda. E não é fácil para um empresário ir para a política. Alguns tentaram. Mas quem conseguiu? Eu não conheço. Antonio Ermírio [de Moraes] tentou, mas perdeu. [O empresário candidatou-se a governador de São Paulo, em 1986, mas ficou em segundo lugar, atrás de Orestes Quércia].
O modelo pelo qual o Brasil cresceu nos últimos anos, baseado principalmente no aumento do consumo, dá sinais de esgotamento.
Esse modelo se esgotou não só no Brasil, mas em todo lugar do mundo onde foi implementado. O crescimento pelo consumo é a falência da economia. É uma droga, que o deixa feliz no curto prazo. Mas, na verdade, aquela substância o está matando.
Qual o tratamento para essa droga?
A primeira medida agora é apaziguar o país politicamente. Em seguida, temos de fazer um redesenho dos gastos públicos. Isso passa por revisitar o tamanho do estado. Que estado queremos? Que serviços demandados pela sociedade precisam ser atendidos com qualidade? O fundamental é saúde, educação e segurança. O resto é o resto. Não precisa estar sob responsabilidade do pode público. O governo brasileiro parece ter vergonha de falar em privatização. Mas por que a União precisa ter, por exemplo, uma agência de viagem? Hoje, isso existe através do Banco do Brasil. Aliás, por que o Brasil precisa ter um banco público do tamanho desse? Por que não fazemos uma campanha explícita para privatizar a Infraero e os postos estatais? Por que o estado precisa gerar energia elétrica se há empresas privadas que fazem esse trabalho igualmente bem. Nós estamos no século 21 com o espírito do final do século 19 misturado com o espírito do século 20. Nossa agenda não é contemporânea. É antiga. É barroca. Esse é o nosso drama.
Acredita que o país vai se recuperar? Ou corre o risco de quebrar?
Quebrar, não quebra. O Brasil vai patinar – o que já é uma catástrofe. Mas não tenho a menor dúvida de vamos sair daqui muito melhores do que entramos. Só não sei quando nem como. Até algum tempo atrás o país achava que depois da praia de Copacabana não tinha mais nada. Hoje, o Brasil está nas capas da [revista britânica] The Economist – o que era impensável no passado. O país se fez robusto. Ficou jovenzinho. O problema é que está manco. Mas é um manco que sabe que pode consertar o joelho. A minha sensação é que ele ainda volta ao jogo.
Como os países da Europa estão enxergando o atual momento do Brasil?
Eles não entendem. Porque temos uma democracia funcionando, a imprensa livre, 200 milhões de pessoas, um potencial de consumo interno importante. Não temos terrorismo nem lutas religiosas. Nosso povo é unido. Se comparar o Brasil a outros países do BRICS – como Rússia, Índia e China –, estamos muito bem em relação a esses temas. O Brasil é um país sobre o qual o investidor tem que levar em consideração o longo prazo. As empresas que estão aqui há décadas, como a Saint-Gobain que chegou em 1937, já viram de tudo. Essas não se assustam. Mas quem chega agora e enfrenta a necessidade de obter tantas licenças ambientais, carimbos e outras burocracias sente que voltou no tempo. Há o agravante de ver o trato sem cerimônia com a inflação, o que é preocupante para o investidor. No setor de petróleo, que eu conheço melhor, as empresas estão no Brasil porque não podem deixar de estar, em função da reserva que tem o país. Mas estão chateadíssimos. Pensam que estão perdendo tempo. Perguntam: “Vocês, com esse potencial, com essa reserva, por que diabos não usam isso?”.
Fonte: Época Negócios